«Noites de Insónia – volume 1» de Camilo Castelo Branco
Trata-se de uma miscelânea literária («vou ao jazigo das minhas ilusões») dispersa numa série de livros entretanto reunidos em volume. A crítica («Morte de D. João»), a polémica (Teófilo Braga), a incursão na História (Egas Moniz), a novela («Aquela casa triste»), a opinião sobre os jornais: «A imprensa diária tem olheiros que superintendem em estupros, facadas, roubos e incestos mas a alçada destes espias não chega até ao esquife do defunto sem testamento». Mesmo nos lapsos, Camilo consegue fazer humor: «já escrevi a necrologia de um que, por sinal, estava vivo e nem sequer me agradeceu com um bilhete-de-visita, ser eu a única pessoa de Portugal que lhe ajuntou ao nome esquecido quatro palavras de saudade e dó». Sobre a situação política de 1874 vejamos esta nota: «A abstenção política é mais do que a morte: é a indiferença pelos males sociais, é a história deste torpe individualismo que nos corrompe, é a gangrena moral desta sociedade em dissolução, é a anasarca sintomática da lesão orgânica que despedaça a nossa existência, é o maior de todos os crimes porque é uma tranquilidade fictícia, comprada à custa dos legados que nós íamos entesourando para as gerações futuras. A democracia agoniza nos século dezanove quando desabrochava e se abria em flor na árvore que nós todos plantámos, regada com o sangue precioso de tantos mártires, em nome dos quais deviam colher e adorar no futuro o fruto dos nossos trabalhos.» Mesmo na simples miscelânea, Camilo está presente com a sua força de grande escritor.
José do Carmo Francisco
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