«Quadros Alentejanos» de Brito Camacho
Este livro de Brito Camacho (1862-1934) figura ao lado da melhor literatura sobre o Alentejo: entre a poesia do Conde de Monsaraz («Musa Alentejana») e a prosa de Manuel da Fonseca («O Fogo e as Cinzas»), entre os ceifeiros e carreiros de Francisco Bugalho em «Poesias» e os feitores e negociantes de gado de Mário Ventura em «Vida e Morte dos Santiagos». Nas suas 206 páginas há todo um certo tempo português e alentejano, articulado a partir das memórias do autor. Por exemplo a despedida da aldeia para ir estudar longe de casa: «Tinha a certeza de que na vila não se jogava o eixo, nem o funcho nem a abelharda, jogos em que eu não era dos últimos, nem se jogava o pião, jogo em que eu era dos primeiros! A cada lugar me prende uma recordação e cada recordação é já uma saudade». Ou então o sentimento religioso: «Raro era o domingo em que a igreja não se enchia. O mulherio ocupava o corpo da igreja. Os homens enchiam as coxias, o guarda-vento e o coro, distribuindo-se ao acaso, sem preocupação de categorias. Ninguém ajoelhava à caçadora, só com um joelho em terra». Ou ainda as guerras políticas locais: «As paixões políticas eram muito vivas na minha terra; os partidos digladiavam-se ferozmente em todos os campos; um dia de eleições era um dia de batalha; muitas listas entravam na urna tintas de sangue jorrando de cabeças partidas». Ou por fim as histórias incríveis em que a vida sorria à morte: «o tio José Branco um dia recolheu ao hospital, foi dado como morto e logo transferido para a igreja para se enterrar no dia seguinte. Sucedeu que pela note fora o velhote se aliviou da bexiga e isso lhe valeu não ser enterrado vivo». A leitura destes 6 quadros alentejanos de ontem é um enorme prazer para o leitor de hoje.
José do Carmo Francisco
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