«O livro da pobreza e da morte» de Rainer Maria Rilke
Escrito em Paris no ano de 1903 quando Rilke (1875-1926) preparava a monografia sobre a obra de Rodin, neste livro o autor rejeita as grandes cidades: «Porque as grandes cidades, Senhor, / estão desagregadas e perdidas; / na maior parte delas germina o pânico dos incêndios / para elas não há perdão nem alívio / e os seus pobres dias estão contados.» Coloca o campo em oposição à cidade: «Há os que são ricos e aspiram ao triunfo / mas os ricos não são ricos. / Eles não são como esses grandes pastores / que atravessam as planícies verdes e claras / seguidos da massa confusa dos seus rebanhos / como as nuvens passam no céu da manhã.» A cidade é o lugar do medo. Rilke escreve um poema que é uma oração: «faz que eu seja a voz do novo Messias / aquele que diz a palavra e que baptiza / Porque a minha voz cresceu em duas direcções / fez-se perfume e fez-se grito / E faz que ambas as vozes me acompanhem / se de novo me lançares na cidade e no medo.» A cidade não é o lugar do homem («As cidades só pensam em si próprias / e arrasam tudo na sua corrida») e nelas os sem-abrigo, que andam pela noite como mortos, esperam una voz: «E se houver ainda uma voz para os defender / faz que seja forte e persuasiva». A obra de Francisco de Assis é a resposta: «Onde está esse que dos seus bens e do seu tempo / soube tirar forças para a sua grande pobreza / para se despir das suas roupas na praça / e surgir nu diante das vestes do bispo. / Veio da luz para uma luz mais profunda / e a alegria habitava a sua cela. / E quando ele morreu, leve e sem nome / foi repartido.» Uma nova editora, uma nova colecção de poesia, um livro a descobrir em português mais de cem anos depois da sua primeira edição.
José do Carmo Francisco
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